Agricultura orgânica produzindo alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e em sintonia com a natureza é o objetivo de um grupo de assentados de Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Há 22 anos eles se dedicam à horticultura totalmente orgânica e estão entre os pioneiros deste segmento na tradicional Feira Agroecológica da Redenção, realizada semanalmente em um dos parques mais famosos da capital gaúcha.
O grupo é formado por oito famílias do assentamento estadual Integração Gaúcha, que cultivam juntas cerca de quatro hectares de hortas. Elas produzem 42 espécies de verduras, temperos e hortaliças, desde alface dos tipos comuns a outras mais finas como a frisée (parecida com a escarola, mas com folhas mais crespas e crocantes) ou a italiana (a primeira muda foi trazida da Itália) e raízes e plantas alimentícias não convencionais (pancs), utilizadas na culinária oriental, tailandesa e indiana, como o manjericão roxo, a bertalha e o sichô.
Os assentados também preservam culturas tradicionais que desapareceram do mercado. A azedinha (da família das folhosas) é uma das mais procuradas na Feira da Redenção, assim como o alho nirá, ambos produzidos somente pelo grupo. A gente trouxe as primeiras mudas da casa da minha mãe, que, por sua vez, trouxe da casa da mãe dela. Iniciamos o cultivo ainda no acampamento e mantivemos até hoje porque quase nem existe mais, conta Marines Riva.
Segundo ela, o resgate das espécies contribui para o equilíbrio ambiental. Trabalhamos com respeito à natureza, interferimos o menos possível na vida do meio ambiente. Por isso, produzimos de acordo com a época de cada produto. O tomate, por exemplo, é de verão, não adianta forçar para ter no inverno, porque a natureza nos dá no verão devido às propriedades que precisamos neste período, explica Marines.
Opção de vida
Junto com o marido, José Mariano Matias, Marines lembra que iniciaram a horta para o próprio sustento logo que chegaram ao assentamento. Após dois anos, receberam assistência de uma organização não governamental e intensificaram a produção, sempre orgânica.
No início, a opção pela agroecologia também foi feita em função da redução de custos com adubação (utilizavam restos de alimentos, plantas, entre outros) e maquinário. Agora, Matias afirma que todo o processo é cuidadosamente natural desde o preparo da terra, passando pelo plantio, a colheita e a comercialização. O trabalho é inteiramente braçal, de domingo a domingo, e envolve, além das oito famílias assentadas, outros dois diaristas, conforme a necessidade.
O cuidado é tanto que os maços de temperos são amarrados com cordão de algodão, evitando o uso de materiais sintéticos ou plásticos para não contaminar as folhas. As sementes e as mudas também são produzidas pelos próprios assentados, com o devido tratamento ecológico. A gente aprende com a natureza, vai observando e tem prazer no que faz. Optamos pela agroecologia porque nós vamos ter saúde, a natureza fica em equilíbrio e os nossos consumidores ganham saúde também. Nosso remédio é o que a gente come, destaca Marines.
Mercado garantido
Os assentados produzem em torno de 300 caixas por semana de hortigranjeiros. Além da Redenção, eles comercializam os produtos também no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, em feira que ocorre às quartas-feiras e aos sábados.
Começamos aos poucos, a cada 15 dias na Redenção. Vendíamos na calçada, na saída da missa, recorda Matias. Hoje, com uma estrutura própria, eles possuem consumidores fiéis, que chegam antes da abertura da feira, por volta das 7h. Temos clientes antigos, principalmente os orientais ou donos de restaurantes vegetarianos. Eles nos procuram porque sabem que a gente tem o produto e é de qualidade.
Até mesmo nos fazem pedidos específicos de iguarias que a gente procura e tenta cultivar, conta o assentado. Cada família recebe entre R$ 2 mil a R$ 5 mil, já descontados os custos com diaristas, frete e manutenção. O grupo abastece, ainda, dois mercados da região e entrega couve, alface, temperos, beterraba e espinafre para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o excedente da produção para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Também fazem parte, junto com outras nove famílias, da Cooperativa de Produtos Orgânicos Pão da Terra, que produz panifícios integrais e orgânicos.
O assentamento
O assentamento Integração Gaúcha localizado a 53 Km de Porto Alegre foi criado pelo governo estadual em 1992 e, seis anos depois, reconhecido pelo Incra, passando a integrar as políticas nacionais de reforma agrária. Uma delas é a assistência técnica, social e ambiental às famílias, prestada há cinco anos por equipes contratadas pelo Incra/RS. O investimento total chega a aproximadamente R$ 250 mil.
Atualmente, o acompanhamento é feito pela Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (Coptec), que também cuida da certificação orgânica dos produtos. Conforme o técnico Artêmio Marques, as hortas são certificadas pelo Organismo de Controle Social da Cooperativa Central de Assentamentos (OCS-Coceargs).
A fim de incentivar a participação feminina, o Incra/RS também liberou, entre 2013 e início de 2014, R$ 117 mil para 39 mulheres assentadas que desenvolvem projetos coletivos de panificação, horticultura e produção animal. Com capacidade para 74 famílias, a área total do assentamento é de 1.256 hectares. Os lotes possuem tamanho médio de 17 hectares cada. Além da horticultura, também há produção de arroz irrigado (maior parte agroecológico) e pomares para autoconsumo.
Fonte: Revista Terra da Gente | Incra